Mr. McMahon | Crítica

“A luta livre é uma imitação do mundo. Se quiser saber como é a América, assista à luta livre. Nós mostramos a você”, essa fala apresentada no primeiro episódio da série documental Mr. McMahon pode ser utilizada não apenas como uma forma de apresentar esse esporte para um novo público como estabelecer o tipo de narrativa que será apresentada nas próximas 6 horas. 

Mr.McMahon é uma minissérie documental desenvolvida pela Netflix que mostra a ascensão e queda do fundador da WWE, Vince McMahon. A narrativa tem como ponto de partida a evolução dessa empresa de família até se tornar uma das maiores marcas do esporte e entretenimento mundial, além de apresentar algumas das muitas polêmicas que envolveram a empresa desde seus primeiros anos. 

A produção, dividida em seis partes com 1 hora de duração por episódio, tem um tom introdutório não apenas sobre a figura de Vince McMahon mas sobre a luta livre profissional e a WWE. Para as pessoas que não conhecem sobre o esporte, essa introdução pode servir para sanar algumas dúvidas, como se essas lutas são falsas ou não e qual é a diferença entre as histórias do ringue e a vida real. Apesar da importância dessa introdução, o tom prolixo pode afetar a imersão no decorrer dos episódios. 

Já para os fãs mais aficionados, o documentário da Netflix não apresenta nada de novo, desde as polêmicas internas que cercam a empresa desde a década de 80 até os acontecimentos mais recentes, os pontos apresentados já são de conhecimento público, e muito do que nos é mostrado de forma amena no documentário já foi trabalhado com maior riqueza de detalhes em produções documentais que não possuem relação oficial com a WWE, o que não é o caso da Netflix já que a gigante do streaming fechou uma parceria bilionária com a empresa de entretenimento.

Mr.McMahon tenta usar o mesmo modelo narrativo de Tiger King, duas produções com pessoas caricatas que criaram uma persona pública altamente carismática e que mostram apenas aquilo que desejam. No entanto, diferentemente de Joe Exotic, Vince McMahon não se leva a sério, o que torna ainda mais difícil “quebrar” sua figura na mídia. Todas as suas ações são feitas pelo Mr.McMahon, sua persona criada dentro dos ringues e para as aparições públicas.

Além disso, mesmo com as inúmeras polêmicas, Vince McMahon é um nome forte dentro dos Estados Unidos, desde sua experiência como empreendedor “self-made man” que engrandece o discurso do sonho americano e da meritocracia, quanto sua relação pessoal com o ex-presidente Donald Trump, algo que também é apresentado como um pequeno detalhe na vida do bilionário e da família McMahon, mesmo sua esposa sendo secretária do governo e a família fazendo doações exorbitantes para a campanha presidencial. 

Nesse sentido, Mr.McMahon não sabe qual seu propósito de existência, o documentário tenta apresentar uma visão crítica a figura de Vince McMahon, mas faz isso apresentando depoimentos de grandes nomes da indústria da luta livre como Hulk Hogan e Shawn Michaels e astros que ainda estão trabalhando para a empresa, como Cody Rhodes, e, apesar de apresentá-los no decorrer dos episódios, a série evita se aprofundar nos comentários dos jornalistas e outras pessoas que denunciam a empresa desde o início. 

Apesar disso, existem momentos emocionantes e impactantes no documentário, um dos principais é o acidente envolvendo Owen Hart que perdeu sua vida durante uma gravação do RAW e Vince McMahon decidiu seguir com as gravações mesmo com o sangue de Owen manchado no ringue. 

Outro ponto que chama a atenção é a menção ao caso do lutador Chris Benoit que, após confirmado que ele foi o culpado pela morte da família, foi apagado da história da WWE, desde a proibição de sua menção na atualidade até as imagens de arquivo disponibilizadas na WWE Network.

No fim, Mr.McMahon é um documentário que se encontra em uma zona cinzenta, parece que a produção, que se iniciou em 2020, tinha como objetivo exaltar a imagem de Vince McMahon como um exemplo do grande sonho americano que superou as dificuldades da vida e conseguiu construir um império bilionário com seu próprio mérito, mas os planos tiveram que ser alterados rapidamente após as acusações e processos de agressão sexual, tráfico e abuso físico. O documentário, por sua vez, não se posiciona sobre essas novas acusações que envolvem McMahon e que cercam sua história desde os anos 80, afinal a história da luta livre é a história dos Estados Unidos e acusações como essa não podem ficar no meio da unificação de duas empresas.