Motel Destino marca o aguardado retorno de Karim Aïnouz ao cenário cearense, onde suas raízes se entrelaçam com a geografia e cultura do Nordeste. Desde o marcante O Céu de Suely (2006), o diretor cearense não explorava sua terra natal. Agora, ele nos presenteia com um thriller erótico ambientado em Beberibe, uma cidade litorânea do Ceará, famosa por suas praias de beleza bruta e indomada. No entanto, em Motel Destino, essas mesmas praias são testemunhas de uma história de amor entrelaçada por violência, desejo e um sentimento pungente de prisão e liberdade. Aïnouz, com seu olhar único, transforma essa paisagem paradisíaca em um palco de tensões e emoções avassaladoras.
A trajetória para a criação desse filme é, por si só, um reflexo da dedicação de Karim ao cinema e ao Ceará. Em recentes entrevistas, o diretor revelou que Motel Destino é um projeto antigo, uma ideia que germinou ainda nos tempos em que ele colaborava com o Porto Iracema das Artes. Este instituto, uma verdadeira usina criativa, desempenha um papel vital na formação de artistas e cineastas no Ceará. Foi no contexto desse ambiente efervescente que o roteiro de Motel Destino começou a ganhar forma, inicialmente sob a tutela de Wislan Esmeraldo, um talentoso roteirista cearense. A colaboração foi enriquecida pela chegada de Mauricio Zacharias, um parceiro de longa data de Aïnouz, que já havia trabalhado em obras icônicas como Madame Satã e O Céu de Suely. Esse encontro de mentes criativas resultou em um roteiro que é tão denso e complexo quanto as relações que ele explora.
Motel Destino é uma obra que, de certo modo, sintetiza as influências que moldaram a visão cinematográfica de Karim Aïnouz. Há um flerte evidente com a pornochanchada e o cinema policial, mas é a profundidade dos temas abordados que realmente capturam a essência do filme. A história de Heraldo e Dayana é uma reflexão sobre as camadas de opressão que envolvem o indivíduo, seja ele um jovem periférico lutando contra um sistema que o marginaliza, ou uma mulher presa em um relacionamento abusivo que tenta silenciá-la e subjugá-la. A trama se desenrola com uma intensidade que só o cinema de Aïnouz poderia oferecer, onde a sensualidade e a violência coexistem em uma dança brutal e hipnótica.
Na narrativa, seguimos os passos de Heraldo, interpretado com vigor por Iago Xavier. O personagem é um jovem negro, marcado pela luta constante para escapar da morte, um sobrevivente de um sistema que insiste em apagá-lo. A fuga de Heraldo o leva a um motel de beira de estrada, onde conhece Dayana, vivida com intensidade por Nataly Rocha, e Elias, interpretado de forma assustadoramente eficaz por Fábio Assunção. Nesse espaço, que deveria ser um refúgio de prazer e anonimato, as vidas dos três personagens se entrelaçam em uma espiral de transformação e desespero.
O motel, na visão de Karim Aïnouz, se torna mais do que um simples cenário. É um símbolo de confinamento e isolamento, um lugar onde os segredos são enterrados e as leis não se aplicam. Para Dayana, casada com o opressivo Elias, o motel é uma prisão emocional e física, um lugar de onde ela deseja escapar, mas onde também encontra em Heraldo um eco de sua própria dor e uma possibilidade de libertação. A solidariedade que surge entre os dois personagens transcende o simples desejo carnal; é um reconhecimento mútuo das feridas que carregam, uma conexão forjada na adversidade e na busca por liberdade.
A performance de Iago Xavier é um dos grandes triunfos do filme. Ele entrega uma atuação visceral, que captura a angústia e a raiva de um jovem que, desde a infância, conhece a brutalidade do mundo. A cena final, onde Heraldo despeja suas frustrações em um monólogo poderoso, é um soco no estômago do espectador, revelando as feridas abertas da sociedade brasileira. Sua química com Nataly Rocha é palpável, e as cenas que compartilham são carregadas de tensão e emoção, seja nos momentos de paixão ou nos silêncios que falam mais do que mil palavras.
Fábio Assunção, por sua vez, encarna Elias com uma presença imponente e assustadora. Sua atuação é um estudo de controle e explosão, onde cada olhar e cada gesto são calculados para inspirar medo e repulsa. Elias é o retrato do patriarcado em sua forma mais cruel e desumana, e Assunção nos entrega uma interpretação que ficará marcada na memória dos espectadores.
A trilha sonora do filme é outro elemento que merece destaque. O uso de músicas tradicionais do Ceará, como o forró “Pega o Guanabara”, acrescenta uma camada de autenticidade e regionalismo que enriquece ainda mais a narrativa. Esse toque musical, combinado com a presença do sotaque cearense autêntico dos atores, cria uma imersão total na cultura local, algo raro e precioso no cinema brasileiro contemporâneo.
Motel Destino foi recebido com aclamação no Festival de Cannes, onde arrancou aplausos prolongados do público. Esse reconhecimento não é apenas pelo valor artístico do filme, mas também pelo seu olhar implacável sobre as realidades duras e muitas vezes ignoradas do Brasil. A violência contra as mulheres, o crime organizado, a corrupção e o machismo são temas explorados com uma honestidade brutal, que nos obriga a encarar verdades incômodas sobre a nossa sociedade. Karim Aïnouz mais uma vez demonstra ser um mestre em capturar a essência do humano, em toda a sua complexidade e contradição. Motel Destino é por um olhar mais atento às margens, onde a verdadeira vida pulsa.
Com distribuição da Pandora Filmes, Motel Destino estreia no dia 22 de agosto nos cinemas.
ÓTIMO
Karim Aïnouz mais uma vez demonstra ser um mestre em capturar a essência do humano, em toda a sua complexidade e contradição. Motel Destino é por um olhar mais atento às margens, onde a verdadeira vida pulsa.