Bandida - A Número Um Bandida - A Número Um

Bandida – A Número Um | Crítica

Divulgação

Bandida – A Número Um é um filme de favela repleto de violência, mas já chega mostrando que não é feito apenas dos clichês do gênero. O longa nos faz mergulhar no submundo do tráfico de drogas da favela da Rocinha nos anos 1980, mas tudo sob a ótica de uma mulher que não foi mera coadjuvante na vida de homens poderosos, mas alguém que tinha seu lugar entre eles e acabou virando chefe temida de uma das maiores comunidades do Brasil.

Baseado no romance A Número Um, de Raquel de Oliveira. A trama acompanha a trajetória de Rebeca (nome da personagem inspirada em Raquel), que vivia com sua mãe na casa de família onde ela trabalhava como doméstica, mas a patroa resolver que não quer mais a menina por lá. Ela é deixada na favela da Rocinha com a avó, uma viciada em jogo que não liga para a criança. Então, aos 9 anos de idade é vendida pela própria avó para Amoroso (Milhem Cortaz), bicheiro que comandava o morro.

Por conta de sua personalidade forte, inteligência e da crença de que ela era protegida por uma força maior, Rebeca (Maria Bomani) escapou de ser molestada por Amoroso e se tornou uma espécie de aprendiz dele. Na adolescência, ela conhece Pará (Jean Amorim) e se apaixona por ele. Esses novos sentimentos geram problemas com Amoroso, que acredita ter posse de Rebeca. É nessa época que a favela começa a ser disputada entre bicheiros e traficantes, que introduzem a cocaína no morro, antes dominado apenas pelo tráfico de maconha – o que também leva a vida do casal para um rumo mais violento.

Bandida
Crédito: Karyme França

Essas desavenças fazem com que haja uma mudança de poder. Isso faz com que o morro se torne mais parecido com o que vemos hoje em dia, com armas e drogas mais pesadas e os famosos bailes funk. Com esse novo tipo de tráfico ganhando força, Pará acaba se corrompendo e se envolvendo com o traficante Del Rey da Rocinha (Otto). Como nesse meio quase ninguém dura muito tempo, eventualmente Pará vai ganhando força e quando Del Rey sai de cena, ele se torna o chefe dos traficantes. Rebeca vira mulher do manda chuva, mas fica claro que sem ela seu marido não conseguiria se manter no poder, já que ela era o cérebro por trás das operações. Quando ele é assassinado, Rebeca precisa tomar o posto de número um.

Bandida – A Número Um consegue se destacar entre os muitos filmes sobre favela produzidos no Brasil, não apenas por trazer essa visão feminina em posição de poder nunca vista antes, mas por retratar uma história de amor e o drama de uma vida de forma intimista e emotiva. Os eventos da vida de Rebeca vão sendo narrados por ela para um gravador. A ideia é que sua história se torne conhecida após a morte, algo que ela pensa estar prestes a acontecer por conta do meio onde vive. Conhecemos Rebeca até ela chegar ao posto mais alto, mas ao contrário do que o título do filme sugere, não acompanhamos sua trajetória como manda chuva do tráfico da Rocinha.

Alias, esse é um dos pontos negativos do filme, ele nos deixa querendo mais. Com menos de uma hora e meia de duração, a origem de Rebeca é mostrada de forma mais elaborada, enquanto o último ato, no qual os eventos desenrolam para que ela chegue ao posto de número um, acaba sendo bastante corrido. Ainda assim, o diretor João Wainer fez um ótimo trabalho ao manter o filme muito dinâmico, com cenas de ação experimentais que nos deixam presos na tela. A montagem é frenética, como a de um videoclipe.

bandida
Crédito: Karyme França

Também trabalhou muito bem o uso das cores para mostrar a transição entre os tipos de tráfico, que era mais colorido na época dos bicheiros e se tornou mais sombrio conforme foi o morro foi sento tomado pelos traficantes de cocaína, os momentos mais íntimos e emotivos de Rebeca foram filmados em preto e branco. O filme foi todo feito com câmeras das décadas de 80 e 90 para que o tipo de ruído nos fizesse mergulhar ainda mais naquela época. O figurino e os cabelos também merecem um destaque, é muito visível a passagem os anos através desses dois elementos.

A fotografia impactante ganha ainda mais força com uma trilha sonora marcante, feita por Tejo Damasceno, que conta com canções que a própria Raquel de Oliveira descreve como sendo as favoritas do casal em seu livro, quanto músicas que tem relação com os personagens. Entre elas Deslizes do Fagner, O Amor e o Poder da Rosana e Saci do BaianaSystem com remix do TropKillaz.

A protagonista é interpretada por Maria Bomani, que fez sua estreia no cinema de forma primorosa. Ela convence como uma mulher fodona, mas também mostra vulnerabilidade. A química com Jean Amorim está ótima e eles entregam um casal muito crível. O elenco, no geral, está muito bem e a escolha dos atores e seus sotaques nos mostram um fato histórico curioso, confirmado pela própria autora, de que as favelas do Rio de Janeiro, na época em que o filme se passa, eram compostas por nordestinos.

Bandida – A Número Um é um filme que nos mostra como as situações adversas podem levar a pessoa para um caminho ruim, mas ao mesmo tempo não romantiza o crime ou a violência. A autora sofreu as consequências de suas ações e perdeu o amor de sua vida, ela sabe que o crime não compensa. Esse filme ainda consegue trazer um frescor para o gênero e é uma bela surpresa do cinema nacional em 2024.

Bandida – A Número Um tem data de estreia marcada para 20 de junho nos cinemas, com distribuição da Paris Filmes.

3.5

Muito bom

Com um elenco competente e um visual impactante, Bandida – A Número Um traz um frescor para o gênero de filmes de favela ao contar a história de uma mulher que chegou ao posto de comandante do tráfico, sob seu próprio ponto de vista.