Em 18 de outubro, estivemos presentes na coletiva de imprensa do filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres e Selton Mello. Indicado pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na disputa pelo Oscar 2025 na categoria de melhor filme internacional, o longa é inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva sobre a história de sua família.
A trama é situada no Rio de Janeiro, início dos anos 70, quando o país enfrenta o acirramento da ditadura militar. Estamos no centro de uma família, os Paiva: um pai, Rubens, uma mãe, Eunice, e seus cinco filhos. Vivem numa casa alugada em frente à praia, de portas abertas para os amigos. O amor pela música e pelas conversas, o humor e o afeto que compartilham entre si são suas próprias formas sutis de resistência à opressão que paira sobre o país.
Confira o que rolou nesse encontro onde estavam presentes o elenco e equipe do filme.
Quando questionado sobre a escolha de transformar Ainda Estou Aqui em uma obra cinematográfica, o diretor Walter Salles revelou que “o ponto de partida é esse livro luminoso, que retraça, não somente a memória da família dele, uma memória pessoal, mas ao mesmo tempo retraça a história do Brasil ao longo de várias décadas. Essa sobreposição entre o pessoal e o coletivo sempre me interessou no cinema.
Mais do que isso, Salles frequentou a casa dos Paiva no início da adolescência, pois era amigos de uma das irmãs de Marcelo, Nalu. Suas memórias pessoais puderam ser utilizadas para retratar essa casa que ele considera uma personagem no filme. “O filme talvez seja o desejo de tentar reabrir aquela casa e compartilhá-la com uma audiência”.
Além do livro, da participação ativa de Marcelo e das memórias de Salles, os roteiristas Murilo Hauser e Heitor Lorega foram além ao tentar retratar com o máximo de honestidade a história daquela família. Outro ponto importante foi a escolha de tirar o protagonismo de Marcelo e transformar Eunice Paiva na personagem que carrega essa trama.
Para Marcelo Rubens Paiva, ter sua obra adaptada é ter uma série de pessoas debruçadas sobre seu trabalho, mas revela que nesse caso “tive a sorte de ter uma pessoa especial, de uma sensibilidade aflorada e que conhecia muito bem a história. Que eu sabia que teria respeito absoluto pela história, porque isso é a história da minha mãe. A história de uma mulher que ainda estava viva quando começou esse processo. E eu sabia que o Walter teria esse carinho e respeito completo por ela”.
“Tudo que eu queria desse filme, o Walter também queria. Quando entrou o Murilo e depois o Heitor, o eixo já estava mais ou menos construído. E o Murilo e o Heitor foram geniais. Construiram o roteiro não só baseado no que estava no livro, mas baseado no que as minhas irmãs informaram, no que eu informei, naquilo que os amigos dos meus pais informavam. Tem muitas cenas que não estão no livro, mas que estão na história real e que foram colocadas nesses sete anos de preparação desse roteiro”, completa o autor.
Fernanda Torres falou sobre sua preparação para viver Eunice nos cinemas, “é uma mulher única, uma mulher que nunca fez questão de ser reconhecida. Eu fui olhar as entrevistas, porque era o mais palpável que eu tinha dela. Havia sempre no rosto dela um sorriso e uma contundência que dobrava seu oponente. Sempre com uma enorme inteligência. Ela não removia sua convicção e eu sou uma pessoa mais bruta que a Eunice. Então o Walter vinha e falava ‘tá faltando o sorriso, tá faltando a Eunice, tá Nanda demais, ele foi me regulando”.
Havia também contradições na Eunice, “o Estado impõe à ela um silêncio, uma não resposta sobre a morte do marido. E ela faz o mesmo com os filhos. Ela se mantém em silêncio, acho que para preservar a inocência dos filhos, porque era um ato tão arbitrário, tão injusto. Como explicar isso para crianças de 9 a 19? Então ela deixou que cada um resolvesse a morte do pai à seu tempo, o que por um lado é assustador e por outro, é compreensível”, completa a atriz.
Torres ainda revelou que sua atuação “é baseada em algo que o Walter fez o filme todo, que é a subtração. A música não te empurra, a câmera não te empurra, as cenas não são melodramáticas. O filme não sofre por você, pelo contrário, ele contém. Isso vai criando no publico uma cumplicidade com as pessoas que estão vivendo aquela arbitrariedade”.
Selton Mello brinca que o difícil foi perder os 20kg que ganhou para fazer Rubens Paiva. Emocionado pelo reencontro com seus colegas de equipe e elenco, o ator revelou que rinha apenas fotografias do Rubens para servir de guia, não tinha nenhuma imagem em movimento. Segundo ele, “eu tava querendo entender como imprimir na tela o espírito do Rubens. Minha missão era iluminar essa primeira metade do filme”.
As imagens gravadas com câmera analógica mostrando os bons momentos da família Paiva tem grande importância para Ainda Estou Aqui e o processo para essas imagens estarem no longa foi feito em colaboração com a atriz Valentina Herszage, já que sua personagem Veroca era quem usava a câmera na maioria das cenas. Segundo a atriz, ela mesma pode gravar vários desses vídeos e usar sua intuição, assim como seus colegas também tiveram oportunidade fazer seus próprios vídeos, o que fez com que tudo ficasse mais sincero. Também disse que acredita que sua personagem “é o símbolo da juventude desse filme, né? Essa questão toda da violência, da militância, da música, começa ali com ela e seus 18 anos”.
Como já dito, Ainda Estou Aqui irá representar o Brasil na disputa pelo Oscar 2025 na categoria de melhor filme internacional e tem recebido uma série de prêmios em festivais internacionais. Como uma história tão brasileira consegue atingir tantas pessoas? Segundo Walter Salles, o filme fala de um passado remoto, mas também do presente. Segundo o diretor, eles estavam fazendo “o que a gente achava que precisava ser feito, sem saber para onde iria ecoar. E não importa saber. A gente tem que fazer algo que a gente não pode deixar de contar. Para nossa surpresa, acabou começando a ecoar”.
Fernanda Torres achou que o filme oferece poucas informações em relação ao que aconteceu com Rubens e ficou com medo de que o público não entendesse o que estava acontecendo. Mas então percebeu que a força estava em conseguir fazer o público se sentir inserido naquela família e de certa forma sofrer uma perda junto com eles, perceber que eles não mereciam aquilo. “Você sem discurso político faz qualquer um se identificar e dizer ‘isso é um gesto arbitrário, não posso concordar com isso’. Acho que esse filme toca humanamente as pessoas, em lugares que a gente não está acostumado a tocar. E com muita honestidade. É a resistência de uma família através do afeto”.
“É um filme que fala do passado para iluminar o presente”, completa Selton Mello.
Ainda Estou Aqui chega aos cinemas brasileiros em 7 de novembro de 2024.