Ao contrário do que o título sugere, nenhum pontífice foi levado à força. O Sequestro Do Papa é baseado na história real de abdução do menino Edgardo Mortara (Enea Sala), que chocou a Itália no século XIX.
Em 1858, quando tinha seis anos, o garoto judeu foi afastado da família pelas autoridades papais. Isso aconteceu porque uma das empregadas da família, Anna (Aurora Camatti), alegou que, quando ele era bebê e aparentemente doente, ela precisou realizar um batismo de emergência para salvar a alma de Edgardo. O batismo ocorreu sem o consentimento e sem o conhecimento de Momolo e Marianna Mortara (Fausto Russo Alesi e Barbara Ronchi), os pais de Edgardo. Então, é inesperado quando, uma noite seis anos depois, um oficial determinado (Bruno Cariello) aparece à sua porta com ordens para colocar Edgardo sob custódia da Igreja Católica.
Nas partes da Itália que estavam sob o domínio papal na época, era ilegal que crianças cristãs fossem criadas em lares não-cristãos. Momolo e Marianna protestam veementemente, porém o Santo Inquisidor Felletti (Fabrizio Gifuni), representante local do Papa no Estado Pontifício, exerce um poder quase ilimitado sobre os seus súditos bolonheses. Não tem jeito, o menino é levado para Roma, o contato com sua família é severamente restringido e assim começa para ele outra vida.
A Igreja Católica inicia um trabalho de extensa lavagem cerebral para que ele deixasse de lado sua religião, esquecesse sua família e se tornasse um católico fervoroso. Por conta das promessas de poder ver sua mãe caso demonstrasse bom comportamento, Edgardo se submete à todos os rituais cristãos impostos à ele e demonstra um comportamento exemplar.
Ele não foi a única criança a passar por isso, porém seus pais resolvem não deixar barato e divulgam o caso para a imprensa, além de terem enviado cartas pedindo ajuda para outros países. Por conta disso, Edgardo Mortara acabou se tornando um símbolo dessa luta contra a maior instituição italiana. O caso tornou-se uma causa internacional para organizações judaicas na Europa e gerou revolta na população italiana. Porém, para evitar parecer politicamente fraco, o Papa Pio IX recusa os apelos do mundo pela liberdade de Edgardo. Na verdade, ele resolve orientar pessoalmente a educação católica do menino e faz com que ele seja batizado pela segunda vez.
Em 1859, quando o domínio papal em Bolonha é derrubado pelo exército italiano, é que uma nova esperança surge para a família Mortara. Eles conseguem um julgamento contra Felletti, mas ele é inocentado. A família obviamente se recusa a fazer a única coisa que a Igreja Católica pede deles para que o garoto possa voltar para casa: a conversão de toda a família para o catolicismo. Os Mortara nunca desistem de tentar reaver Edgardo, porém os anos vão passando e o garoto vai crescendo nesta nova vida, cada vez mais enxergando o seminário como seu novo lar. Após 10 anos, Edgardo (agora interpretado por Leonardo Maltese) acaba se tornando padre e veemente partidário da igreja.
O Sequestro Do Papa escancara o antissemitismo da época, em uma cena em particular, líderes judeus são obrigados à beijar os pés do Papa para serem escutados. Certamente é a intenção do diretor Marco Bellocchio nos deixar horrorizados e irados também. Ele nos mostra um passado que ressoa até hoje: misturar política e crenças religiosas nunca é o melhor caminho. Além disso, onde há poder, certamente haverá abusos, mesmo dentro de uma instituição que prega o amor ao próximo.
Também fala muito sobre perda, não apenas dos filhos levados, mas também a perda da identidade. Edgardo é submetido à uma repetição, até que ele mesmo se torne puramente um reprodutor do discurso imposto à ele. Toda sua personalidade é baseada no que foi colocado em sua cabeça por uma instituição, fazendo com que o garotinho judeu desaparece para sempre.
Essa história é contada de forma belíssima, com uma grandiosidade visual que enche os olhos. Os figurinos de época de Sergio Ballo e Daria Calvelli são riquíssimos em detalhes, assim como toda a ambientação feita, desde os interiores iluminados à luz de velas, até as grandiosas salas utilizadas pelos poderosos em Roma. Tudo que vemos parece ter sido feito com muito cuidado e de forma meticulosa. A trama é embalada pela trilha sonora de Fabio Massimo Capogrosso, que conta com várias peças que em alguns momentos que complementam muito bem e dão profundidade à narrativa.
O elenco conta com bons trabalhos no geral. Entre os destaques estão Enea Sala, de uma beleza inocente que beira o angelical, que faz um ótimo trabalho como o pequeno Edgardo, transmitindo muita emoção nos vários closes dados em seu rosto. Paolo Pierobon faz uma versão caricata e ao mesmo tempo sinistra do Papa Pio IX, que certamente deixará o público ainda mais enojado com as atitudes do pontífice.
O Sequestro Do Papa chega aos cinemas brasileiros em 18 de julho de 2024, com distribuição da Pandora Filmes.
Muito bom
O Sequestro Do Papa conta uma história real de um menino judeu sequestrado pela Igreja Católica de forma visualmente bela, mas que ainda é capaz de nos chocar e deixar horrorizados. A trama expõe o antissemitismo e os abusos de poder cometidos pela maior instituição italiana da época.