Antes de pensar em adaptar uma história em quadrinhos, é necessário entender o que a torna única, e principalmente, o motivo de essa história ter funcionado nessa mídia primeiramente. Seja pela arte e texto inconfundíveis de Mike Mignola, ou pela riqueza de detalhes que um quadrinho pode proporcionar, é preciso compreender suas singularidades ao transportá-lo para as telonas.
Sou a favor de que o material original seja respeitado até o fim, principalmente quando o assunto é adaptações. Mas isso não basta, pelo menos quando seu objetivo é entregar um longa cinematográfico que atenda, pelo menos, a todos os seus requisitos básicos. Basta ver o fan film Homem-Aranha: Lotus, de Gavin J. Konop, o qual adapta com fidelidade os quadrinhos do cabeça de teia. Mesmo possuindo uma inspiração direta da fonte, essa produção é extremamente mal executada, sendo uma bagunça do começo ao fim, com diversos problemas no roteiro e na direção. Portanto, esse exemplo serve para entendermos um ponto muito importante: não é porque determinado longa adaptou a história original fielmente que ele é um bom filme. Uma coisa não está ligada à outra.
Em Hellboy e o Homem Torto, é o exemplo perfeito dessa situação. Mesmo com o auxílio do criador do personagem, Mike Mignola, o filme é uma bagunça do começo ao fim, não conseguindo executar sequer os conceitos básicos na hora de contar uma história. Fica claro que, mesmo com muitas boas intenções, ninguém da produção pensou no problema de copiar e colar uma história em quadrinhos para as telonas. A direção de Brian Taylor é um bom modelo para analisarmos, pois mesmo que tente constantemente fazer jogos de câmeras diferenciados, que em teoria, era para fazer alusão ao material original, em muitos momentos acaba mais dispersando do que prendendo a atenção do público.
As limitações financeiras do filme estão longe de ser um problema, pois é evidente seus recursos limitados. O grande calcanhar de Aquiles aqui é a pobreza criativa ao adaptar uma história que, originalmente, é interessantíssima e rica em detalhes. Seja pelo visual, diálogos, edição ou direção, nada se complementa e constrói algo empolgante para o público.
É necessário destacar como ponto positivo o elenco, pois, mesmo sendo desconhecido pela grande mídia, consegue entregar atuações decentes, apesar de muitas cenas evidenciarem a má direção dos intérpretes. Suas caracterizações são bem feitas, deixando o clima do filme parecido com algo trash (no bom sentido), e trabalhando o próprio gênero de terror como um exercício adaptativo, dado seus poucos recursos.
É perceptível como o filme tem um enorme potencial, mas ao focar somente em ser uma cópia do produto original, Hellboy e o Homem Torto é mais uma decepção neste ano de 2024. Talvez, com um diretor mais maduro e uma equipe de roteiristas mais criativa, a proposta de ser um terror rural, assim como em A Bruxa, teria sido melhor executada, além de conseguir transportar a personalidade única do “Bom Samaritano”.
Entretanto, não consigo “crucificar” (perdão o trocadilho) esse filme, pois, apesar dos seus erros, talvez seu objetivo não fosse ser visto como um dos maiores blockbusters do ano. Ele é simples, e em muitos momentos, parece que isso bastaria. Mas, mesmo que seja improvável uma continuação, fica o aprendizado de que ser parecido com os quadrinhos não é o bastante; tem que haver um entendimento mais profundo e técnico da palavra “adaptação”.
REGULAR
Por mais que tenha boas intenções, Hellboy e o Homem Torto é uma bagunça cinematográfica, principalmente por não saber como adaptar uma mídia para outra.