Família | Crítica Família | Crítica

Família | Crítica

Uma reflexão sobre as raízes
Divulgação/Sato Company

Izuru Narushima apresenta uma obra que reverbera as complexidades da alma humana e as tensões sociais em Família. Conhecido por seu olhar minucioso e sensível, Narushima mergulha profundamente no tema da imigração, revelando não apenas as camadas visíveis de um fenômeno global, mas também os reflexos íntimos e emocionais que ele causa em seus personagens. Este não é apenas um filme sobre deslocamento geográfico, mas uma reflexão sobre as raízes, o pertencimento e as cicatrizes que carregamos ao atravessar fronteiras físicas e emocionais.

 

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O eixo central da narrativa gira em torno de Seiji Kamiya, interpretado com a habitual sutileza e profundidade por Koji Yakusho. Yakusho, que recentemente brilhou em Dias Perfeitos, entrega aqui uma performance ainda mais matizada, encarnando um homem que encontra na cerâmica um refúgio e um legado. Seiji não é apenas um artesão; ele é um guardião de tradições, um sobrevivente de perdas que tenta moldar uma nova realidade a partir dos fragmentos de seu passado. A decisão de seu filho Manabu (vivido por Ryô Yoshizawa) de retornar ao Japão, após um período de vida na Argélia, estabelece uma dinâmica complexa entre o passado e o presente, entre o desejo de recomeçar e o peso das expectativas paternas.

A introdução de Nadia (Malyka Ali), esposa de Manabu e refugiada que traz consigo uma história de resiliência e dor, adiciona camadas adicionais à narrativa. Nadia não é apenas uma personagem coadjuvante; ela é o símbolo das lutas silenciosas que muitas vezes permanecem invisíveis. A escolha de Narushima em explorar a imigração através dos olhos de uma mulher que já perdeu tudo e que agora busca refúgio em uma terra estranha é ao mesmo tempo comovente e brutal. A força de Nadia é um lembrete constante das forças invisíveis que moldam nossas vidas e das batalhas internas que enfrentamos enquanto procuramos por um lugar para chamar de lar.

No entanto, o filme não se limita a esta célula familiar. A entrada de Marcos (Lucas Sagae), um jovem brasileiro marcado por suas próprias desilusões e traumas, oferece um contraponto à história de Seiji e Manabu. Marcos representa a geração que cresceu com promessas não cumpridas, a juventude que se encontra perdida entre duas culturas e que, muitas vezes, se vê presa em um ciclo de raiva e frustração. O conflito interno de Marcos, que se traduz em seu ódio pelos japoneses, é uma crítica velada às políticas de imigração e à xenofobia que muitas vezes fermenta nas margens da sociedade. O encontro de Marcos com Seiji e sua família não é apenas um acidente, mas uma colisão de mundos que, à primeira vista, parecem irreconciliáveis.

O que torna Família uma obra tão impactante é a maneira como Narushima orquestra esses personagens e suas histórias, criando uma teia complexa de relacionamentos que desafia as noções tradicionais de família. A formação dessa “família” improvável é um estudo sobre a empatia, sobre a capacidade humana de superar diferenças culturais e linguísticas em busca de conexão e apoio. Mas, ao mesmo tempo, o filme não se esquiva das dificuldades e dos conflitos que surgem nesse processo. A narrativa é carregada de um realismo sombrio, que reflete as tensões e os desafios enfrentados por imigrantes em um mundo cada vez mais polarizado.

Entretanto, é inegável que Família perde um pouco de seu fôlego na segunda metade. A construção lenta e deliberada que marca o início do filme, dando tempo para que os personagens e suas motivações sejam desenvolvidos, acaba sendo ofuscada por uma pressa em amarrar as pontas soltas. Essa aceleração na narrativa diminui o impacto emocional de alguns arcos, especialmente o de Marcos, que merecia uma exploração mais profunda e menos apressada.

Ainda assim, é a atuação de Koji Yakusho que sustenta o filme até o final. Seu Seiji Kamiya é um personagem que vive nas margens da sociedade, mas cuja presença é central para a narrativa. Yakusho entrega uma performance introspectiva, rica em detalhes, que captura a essência de um homem em constante luto, mas que, apesar disso, ainda se agarra à esperança de um novo começo. A cerâmica, com suas imperfeições e fragilidades, torna-se uma metáfora poderosa para a própria vida de Seiji e daqueles ao seu redor.

Família é uma obra que nos convida a refletir sobre as definições tradicionais de lar e pertença, e sobre como, em um mundo dividido por fronteiras e preconceitos, a construção de uma família pode ser o ato mais revolucionário e necessário de todos. Mesmo com suas falhas, Narushima entrega um drama profundo e multifacetado, que permanecerá na mente dos espectadores muito depois de os créditos finais terem rolado.

Distribuído pela Sato Company, Família estreia no dia 15 de agosto nos cinemas brasileiros.

2.5

BOM

Mesmo com suas falhas, Narushima entrega um drama profundo e multifacetado, que permanecerá na mente dos espectadores muito depois de os créditos finais terem rolado.