#SeAcabó: Diário das Campeãs | Crítica #SeAcabó: Diário das Campeãs | Crítica

#SeAcabó: Diário das Campeãs | Crítica

Um grito coletivo contra o abuso e a opressão de gênero
Divulgação/Netflix

#SeAcabó: Diário das Campeãs surge como uma necessária resposta documental a uma das histórias mais chocantes e tristes do futebol contemporâneo, sobretudo no contexto de uma vitória histórica. Dirigido com precisão e sensibilidade por Joanna Pardos, este documentário espanhol da Netflix não poderia ter sido lançado em um momento mais relevante. A chegada ocorre poucos dias após Jenni Hermoso ser homenageada com o Prêmio Sócrates na Bola de Ouro, um reconhecimento às ações de solidariedade promovidas por atletas. A obra se debruça sobre os eventos do Mundial de 2023, em que a seleção espanhola feminina conquistou sua primeira Copa do Mundo, mas teve sua conquista manchada por um ato de abuso que simboliza a luta maior contra o machismo e a opressão enraizada nas estruturas do esporte.

#SeAcabó: Diário das Campeãs | Crítica

No centro da narrativa, vemos as jogadoras reunidas, não mais em campo, mas na intimidade de uma reflexão coletiva, relembrando a tensão e a dor daquele episódio que deveria ter sido um dos momentos mais felizes de suas vidas. O documentário expõe, de maneira brutal e transparente, o episódio em que Luis Rubiales, presidente da federação espanhola de futebol, forçou um beijo em Hermoso durante a cerimônia de entrega das medalhas. Em vez de aplausos e orgulho, o que seguiu foi um escândalo de proporções globais, em que se evidenciou não apenas o abuso pessoal sofrido por Hermoso, mas a tentativa descarada de silenciar qualquer voz feminina que ousasse desafiar a estrutura de poder masculina e patriarcal do futebol espanhol. Pardos guia o público pelas reações das atletas que, à medida que tentavam defender a companheira, passaram a enfrentar uma resistência institucionalizada e machista.

#SeAcabó: Diário das Campeãs vai além do escândalo do beijo. Ele nos leva a um terreno ainda mais profundo, revelando que a vitória na Copa do Mundo foi, na verdade, apenas a ponta do iceberg de uma luta intensa por reconhecimento, condições justas e igualdade de tratamento. Para qualquer outra equipe campeã, a vitória teria sido um ponto final glorioso; para a seleção espanhola feminina, ela foi apenas um novo capítulo. No relato de atletas como Jenni Hermoso, Alexia Putellas, Irene Paredes e Aitana Bonmatí, o documentário registra os pedidos legítimos por suporte básico, de uma nutricionista a voos fretados, algo que é dado como direito automático para seleções masculinas. Para muitas, o ciclo para o Mundial foi um trajeto de desgastes e esforços que transcendiam o próprio campo. Em um ponto de ruptura, 15 jogadoras chegaram a pedir dispensa da seleção por não suportarem o descaso e o desrespeito de Rubiales e do técnico Jorge Vilda.

Através de áudios e diálogos revelados, o documentário traz à tona a postura egoísta e autoritária de Rubiales, que tentava calar as vozes das jogadoras a todo custo. O presidente da federação, ao ser confrontado pela força e determinação dessas mulheres, respondia com exposição e manipulação da imprensa, atribuindo às atletas a culpa por conflitos e discordâncias. A sequência é revoltante: vemos as líderes da seleção sendo sistematicamente atacadas por desafiarem um sistema arcaico, em uma estratégia clara de dissuasão e desmoralização. Em um dos pontos mais dolorosos, algumas atletas acabaram cedendo e retornando, mas não sem a percepção de que a luta pela igualdade era ainda longa e árdua.

Ao vencerem a Copa do Mundo, as jogadoras espanholas realizaram um feito extraordinário, mas foi a união delas, e não o suporte da federação, que tornou essa conquista possível. O documentário mostra como o treinador Jorge Vilda e Luis Rubiales, ambos em posições de poder e ambos envolvidos em controvérsias de abuso e desrespeito, tentaram roubar o protagonismo que pertencia exclusivamente às atletas. O infame beijo de Rubiales em Hermoso, além de revoltante, simbolizou uma realidade amarga: o machismo e a cultura de silenciamento ainda estão enraizados e dispostos a culpar as vítimas para proteger seus próprios interesses.

#SeAcabó: Diário das Campeãs demonstra a coragem e determinação das jogadoras ao reverterem essa narrativa e se posicionarem. A hashtag #SeAcabó (que significa “já chega”) se tornou um símbolo de resistência não apenas no esporte, mas em toda a sociedade espanhola, refletindo um grito coletivo contra o abuso e a opressão de gênero. Em vez de serem caladas, as atletas usaram sua visibilidade para amplificar uma causa que transcende o futebol, inspirando outras mulheres ao redor do mundo a se posicionarem e lutarem por igualdade.

O documentário encerra com uma mensagem poderosa, mostrando que essas mulheres excepcionais não apenas mudaram a história do futebol espanhol, mas também se tornaram pioneiras na luta pela igualdade no esporte e na sociedade. Pardos registra uma crônica vibrante de resistência, paixão e triunfo, revelando as barreiras que persistem, mas também a força que nasce da união e da coragem feminina. #SeAcabó: Diário das Campeãs é um testemunho avassalador de como o futebol, além das fronteiras do campo, pode ser uma plataforma de transformação social, inspirando futuras gerações a questionarem, desafiarem e transformarem as estruturas que as limitam.

5

EXCELENTE

#SeAcabó: Diário das Campeãs demonstra a coragem e determinação das jogadoras ao reverterem essa narrativa e se posicionarem. A hashtag #SeAcabó (que significa “acabou”) se tornou um símbolo de resistência não apenas no esporte, mas em toda a sociedade espanhola, refletindo um grito coletivo contra o abuso e a opressão de gênero.