Ainda Somos os Mesmos | Crítica Ainda Somos os Mesmos | Crítica

Ainda Somos os Mesmos | Crítica

Retratos de sobrevivência em tempos de tirania
Divulgação/Edson Filho

Ainda Somos os Mesmos é um drama político que carrega a alma de um capítulo sombrio da história latino-americana, com direção e roteiro assinados por Paulo Nascimento. Com base em fatos, o longa explora o drama de um grupo de brasileiros que buscaram refúgio na Embaixada Argentina, no Chile, após o golpe militar de Augusto Pinochet, em 1973. A trama centraliza-se em Gabriel, interpretado por Lucas Zaffari, um jovem que foge da ditadura civil-militar no Brasil, mas acaba encontrando no Chile uma nova realidade igualmente brutal e desoladora. A construção narrativa de Nascimento se destaca ao transitar entre o pessoal e o político, expondo como as ditaduras da América do Sul interconectaram destinos, dores e resistências.

Ainda Somos os Mesmos | Crítica

O envolvimento de João Carlos Bona Garcia, sobrevivente dos eventos retratados e coautor da biografia que inspira o filme, adiciona um peso de autenticidade ao roteiro. Nascimento honra essa colaboração, ainda que Bona Garcia tenha falecido antes de ver o resultado final. A presença dessa figura histórica não apenas enriquece a verossimilhança do filme, mas também ilumina as nuances dos personagens que, como Bona Garcia, foram marcados por traumas e lutas que atravessaram fronteiras. No entanto, é preciso destacar que o longa, enquanto acerta ao retratar o contexto histórico e a atmosfera de terror sob o governo militar chileno, perde um pouco de força quando se trata de aprofundar seus personagens.

Lucas Zaffari, no papel de Gabriel, tenta trazer uma complexidade emocional ao protagonista, mas a narrativa não o favorece. Suas motivações são claras: escapar do regime militar e encontrar uma nova vida. No entanto, à medida que o enredo avança, a conexão com seu personagem torna-se difusa. A história de Gabriel, embora trágica, não é explorada com a profundidade emocional que poderia envolver o público de forma mais visceral. O roteiro de Nascimento, ao optar por um tom mais documental em certas partes, parece sacrificar o desenvolvimento pessoal dos personagens em prol de uma visão mais ampla e histórica.

Ainda assim, Carol Castro e Edson Celulari são presenças fortes no elenco, mas ambos parecem subaproveitados. Clara, vivida por Castro, tem a missão de representar a resiliência feminina em meio ao caos, mas seu arco narrativo é pouco explorado. O mesmo pode ser dito sobre Fernando, pai de Gabriel, que, apesar da notável presença de Celulari, parece existir mais como um ponto de ligação com o Brasil do que como um personagem plenamente realizado. Isso, porém, não apaga a força simbólica dessas figuras dentro da trama, que, ao lado de Gabriel, representam uma geração marcada pela opressão e pelo exílio.

A maior virtude do filme está na recriação do ambiente opressor de 1973, onde cada cena nas embaixadas chilenas é impregnada por uma sensação constante de perigo iminente. Nascimento captura, de forma quase claustrofóbica, a tensão vivida por aqueles que procuraram refúgio diplomático. O espectador sente o peso da espera, o medo de ser descoberto e a incerteza sobre o futuro, temas que são centrais à narrativa. Há um equilíbrio delicado entre a abordagem histórica e a ficcional, com o filme acertando na reconstrução dos fatos, mas pecando ao não dar o mesmo tratamento às jornadas emocionais de seus protagonistas.

Mas seria um erro dizer que Ainda Somos os Mesmos não possui momentos de brilho. A interpretação de “Como Nossos Pais”, de Belchior, na voz de Thedy Correa, vocalista da banda Nenhum de Nós, é um desses instantes que transcendem a tela e ecoam no coração do público. Essa canção, tão icônica no imaginário brasileiro, serve como um lembrete da resistência, da dor e da luta que atravessam gerações. É um momento em que a obra atinge um ponto alto de emoção e identidade, algo que poderia ter sido mais explorado ao longo do filme.

Ainda Somos os Mesmos é uma obra que, apesar de suas falhas, tem grande relevância ao trazer à tona um capítulo negligenciado da história brasileira e sul-americana. Com distribuição da Paris Filmes, o longa estreia hoje nos cinemas, oferecendo ao público brasileiro uma oportunidade de revisitar o passado e refletir sobre os ecos da ditadura militar que ainda ressoam na sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo que é um testemunho da brutalidade e da resistência de uma época, o filme também nos lembra das histórias humanas que frequentemente se perdem em meio ao panorama histórico mais amplo. Nascimento nos faz refletir sobre a sobrevivência, o exílio e a eterna busca por liberdade, mesmo que os personagens, em certos momentos, fiquem à sombra da trama maior.

3

BOM

O filme nos faz refletir sobre a sobrevivência, o exílio e a eterna busca por liberdade, mesmo que os personagens, em certos momentos, fiquem à sombra da trama maior.