Disco, Ibiza, Locomía | Crítica Disco, Ibiza, Locomía | Crítica

Disco, Ibiza, Locomía | Crítica

Um convite irresistível para quem presenciou esse fenômeno cultural
Divulgação/Netflix

Disco, Ibiza, Locomía, dirigido por Kike Maíllo, chegou à Netflix silenciosamente, quase como um segredo guardado no catálogo do streaming. Essa ausência de alarde é, no mínimo, estranha. Afinal, estamos falando da cinebiografia de Locomía, um dos grupos mais excêntricos e revolucionários da música espanhola e latino-americana da época. A banda, famosa por seu visual extravagante, ombreiras gigantescas e leques coreografados, marcou toda uma geração, especialmente entre o final dos anos 80 e início dos 90. Ver uma produção que revive essa história já é, por si só, um convite irresistível para quem presenciou esse fenômeno cultural.

Disco, Ibiza, Locomía | Crítica

O filme, estrelado por Jaime Lorente, conhecido por seu papel como Denver em La Casa de Papel, surpreende por tomar um caminho oposto ao que estamos acostumados nas cinebiografias de Hollywood. Ao invés de criar um legado intocável, Disco, Ibiza, Locomía explora as tensões e sacrifícios que fizeram parte da ascensão e queda do grupo. Não há endeusamento; o filme se permite revelar o lado sombrio da fama, expondo os bastidores carregados de pressões comerciais e conflitos criativos que culminaram na dissolução da banda. Maíllo foge do glamour habitual, preferindo uma abordagem mais honesta e até dolorosa sobre o que realmente acontecia longe dos holofotes.

A trama nos leva diretamente ao fim da banda, com uma batalha judicial pelo controle do nome e dos direitos autorais. Xavi Font, interpretado por Lorente, guia a narrativa, com flashbacks que nos levam ao início da trajetória do grupo. Esse recurso oferece uma perspectiva única: ao invés de glorificar o sucesso, o filme nos mostra como ninguém estava realmente preparado para o que Locomía se tornaria. A visão multifacetada, com as vozes dos outros integrantes e do empresário José Luis Gil, interpretado com maestria por Alberto Ammann, cria uma teia de tensões que mostram as consequências de um sucesso rápido e inesperado.

A direção de Kike Maíllo é certeira. Ele consegue capturar a vibrante Ibiza dos anos 80 com um realismo quase documental, enquanto a roteirista Marta Libertad constrói diálogos que equilibram o glamour com a tragédia. A estética visual é um dos grandes trunfos da obra, transportando o espectador para a era de excessos, liberdade criativa e uma busca incessante por inovação artística. O uso de animações, sobreposições de imagens e quebras da quarta parede conferem ao filme um caráter experimental que reflete o espírito ousado de Locomía, sem cair no exagero gratuito.

Jaime Lorente entrega uma atuação profunda e carismática como Xavi Font. Seu personagem começa como um sonhador visionário, mas à medida que o filme avança, percebemos sua desilusão ao constatar que o sonho de revolucionar a moda e a música se transforma em uma armadilha da indústria. Alberto Ammann, por sua vez, equilibra o peso do personagem de Gil, o empresário que vê no grupo uma mina de ouro, mas que também sofre com as consequências dos egos em colisão.

A reconstituição de Ibiza e, especialmente, das lendárias discotecas como Ku, é um espetáculo visual. Cada cena transborda energia e vitalidade, mesmo que, ocasionalmente, o filme recaia em alguns clichês já vistos em outros relatos sobre a vida na ilha. No entanto, é inegável que Maíllo conseguiu capturar a essência de uma época marcada pela exuberância e pela vontade de quebrar as regras.

O ponto fraco do filme talvez seja a sua abordagem mais superficial sobre os conflitos legais e pessoais que acabaram desintegrando o grupo. Embora esses conflitos sejam introduzidos, eles não recebem o aprofundamento que poderiam, o que faz com que o desfecho soe um tanto simplista, tirando parte do impacto emocional que se poderia esperar de uma produção que lida com o colapso de um sonho coletivo.

Ainda assim, entre tantas cinebiografias musicais recentes, Disco, Ibiza, Locomía se destaca por ser uma das mais justas e autênticas. Ao invés de focar apenas no brilho e glamour, o filme faz questão de retratar as tensões que moldaram a trajetória do grupo, capturando com precisão o espírito de uma época de transformação cultural. Para quem viveu o fenômeno Locomía, a produção será uma viagem nostálgica e vibrante, enquanto os espectadores mais jovens poderão entender o que tornava essa banda tão única e fascinante.

O filme não só presta uma homenagem aos fãs da era, mas também convida a uma reflexão mais profunda sobre o preço da fama e o papel das indústrias culturais na criação – e destruição – de ícones. Um retrato fiel de uma era que, assim como Locomía, jamais será esquecida.

4

ÓTIMO

O filme não só presta uma homenagem aos fãs da era, mas também convida a uma reflexão mais profunda sobre o preço da fama e o papel das indústrias culturais na criação – e destruição – de ícones. Um retrato fiel de uma era que, assim como Locomía, jamais será esquecida.